Por Weslley de Paiva Santos*

Já é bem conhecido que as bactérias presentes no intestino possuem um papel fundamental na saúde e na doença. Nesse contexto, uma das mais surpreendentes descobertas é a constatação de que a microbiota intestinal (conjunto de micro-organismos do intestino) pode influenciar até mesmo o nosso comportamento e saúde mental.

Um dos casos mais estudados nessa área é o papel da microbiota intestinal na manifestação de um tipo específico de autismo, o autismo regressivo. Essa síndrome se caracteriza pelo seu início tardio; as crianças se desenvolvem normalmente até a idade de 18 meses e, em seguida, regridem com as características típicas do autismo com sintomas como diminuição da capacidade de linguagem e de socialização.

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, e publicada na revista Anaerobe, apresenta três evidências experimentais da relação entre as bactérias do intestino e o desenvolvimento de autismo regressivo.

A primeira revelou que o uso de um antibiótico, com ação sobre algumas bactérias do intestino, levou à diminuição nos sintomas comportamentais do autismo. Além de combater os problemas gastrointestinais dos pacientes, houve uma redução substancial do comportamento agressivo e uma melhora significativa nos contatos visuais, na linguagem receptiva e na fala. Após a suspensão do uso do antibiótico, e consequentemente restauração da microbiota original, todas as crianças apresentaram uma recaída em relação as melhorias obtidas.

A segunda evidência partiu da análise de amostras de fezes de crianças saudáveis e crianças com autismo. Através de técnicas que avaliam o DNA das bactérias presentes nas fezes, foi observado que há variações importantes nos dois grupos de bactérias prevalentes na microbiota de crianças com autismo avançado, em relação às demais crianças. Foi observado, por exemplo, que as crianças saudáveis apresentavam em média 530 espécies bacterianas nas fezes e crianças autistas apresentavam em média, mais de 1000.

A última evidência apontava um gênero específico de bactérias potencialmente importante no desenvolvimento de autismo. Esse gênero, chamado de Desulfovibrio, foi encontrado em cerca de 50% dos indivíduos autistas e não estava presente nos indivíduos saudáveis. Além disso, quanto maior a severidade do autismo, maior era a presença dessa bactéria.

Por fim, foi levantada uma hipótese a respeito do desenvolvimento do autismo. Nessa, provavelmente, a maioria das crianças que desenvolvem autismo têm um defeito imunológico relacionado à toxinas ambientais ou fatores genéticos. Além disso, fatores como a dieta e uso de alguns tipos de antibióticos poderiam levar a um crescimento excessivo de espécies do gênero Desulfovibrio. Por sua vez, essas bactérias causariam danos diretos ao hospedeiro (pela produção de um metabólito tóxico ou utilização de compostos essenciais para o desenvolvimento da criança) ou desencadeariam uma resposta auto-imune, que também culminaria com danos no tecido do hospedeiro e estariam associados com o desenvolvimento do autismo.

Desvendar o processo que leva ao desenvolvimento do autismo regressivo pode trazer mudanças na utilização de antibióticos específicos além da mudança na dieta e outros fatores no início da vida humana. Essas transformações, quem sabe, podem reduzir ou acabar com a ocorrência desse tipo de síndrome.

*Weslley de Paiva Santos possui graduação Ciência Biológicas, modalidade Microbiologia e Imunologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente está cursando o mestrado em Ciências (Microbiologia) também pela UFRJ. Tem experiência na área de biologia molecular, atuando principalmente na identificação e caracterização de bactérias de importância médica.

Texto revisado e editado por Caio Rachid

Referência: Finegold, Sydney M., Julia Downes, and Paula H. Summanen. “Microbiology of regressive autism.” Anaerobe 18.2 (2012): 260-262.

A Microbiologia e o Autismo
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