Por Letícia Martimiano*

A criação de animais para produção de alimentos, tem sido uma importante fonte de renda e emprego para países em desenvolvimento como o Brasil. Apesar disso, a maneira que esses animais são mantidos e tratados, e como isso pode influenciar o surgimento de “superbactérias”, são problemas que existem e são muito pouco discutidos.

 Superbactéria é o nome popular dado às bactérias que são capazes de resistir ao tratamento a diversos antimicrobianos. O surgimento dessa resistência ocorre de forma aleatória, fruto de um intenso processo evolutivo. Contudo, o uso incorreto dos antimicrobianos acaba disseminando essa capacidade entre os diferentes micro-organismos. Isso por que o uso incorreto e contínuo seleciona as bactérias que adquiriram a resistência, permitindo sua sobrevivência e reprodução, fazendo-as aumentar em proporção, em comparação àquelas que eram sensíveis aos antimicrobianos.

Como a criação animal entra nessa história? Os animais mantidos em cativeiro recebem doses contínuas de antimicrobianos. Muitas vezes isso é realmente necessário, por exemplo, quando apresentam doenças causadas por bactérias, e precisam de tratamento.

Porém, além do uso terapêutico, os antimicrobianos também são utilizados como promotores de crescimento em diversos países. No Brasil, principalmente na criação de porcos e frangos. O objetivo dessa medida é acelerar o crescimento dos animais para que eles possam ser abatidos em menor tempo, além de diminuir a incidência de doenças. É atribuído ao antimicrobiano a capacidade de reduzir a microbiota intestinal do animal, diminuindo a produção de moléculas que deprimem o crescimento deles e a competição por nutrientes.

 O uso de antimicrobianos como promotores de crescimento acaba aumentando a incidência das superbactérias, pela aplicação constante de doses baixas de antibióticos nos animais saudáveis. As bactérias mais resistentes, se multiplicam transmitem a capacidade de resistir ao antimicrobiano para outras bactérias que não possuíam essa característica . Isso porque bactérias compartilham pequenos fragmentos de DNA entre si. Assim, a resistência ao antimicrobiano é transmitida de um micro-organismo para o outro. O resultado  é que os antimicrobianos passam a não fazer mais efeito.

 Alguns países europeus já proibiram o uso do antimicrobianos como promotor de crescimento, enquanto no Brasil o uso é liberado. Existem leis que limitam o uso de alguns antimicrobianos, porém, a fiscalização não é eficiente e o uso acaba ocorrendo.

 Animais saudáveis não precisam de antimicrobianos. Precisam ser mantidos e tratados de forma adequada para assim reduzir a incidência de doenças. O uso indevido vai além do efeito sobre o animal, atingindo a população, pois não se pode controlar até onde a resistência se espalhará. Além disso, a resistência a um antimicrobiano favorece o desenvolvimento da resistência a outros antimicrobianos, pois muitos mecanismos de ação são semelhantes.

 Produzir novas drogas é um processo demorado e caro. Cada vez mais medicamentos entram em desuso pois não são mais eficientes. Hoje já existem superbactérias resistentes a todos os antimicrobianos conhecidos. Não há nada que se possa fazer para combater uma doença causada por essas bactérias.  O surgimento de doenças sem possibilidade de tratamento, causadas por superbactérias, já é uma realidade. Alguns dizem que, em um combate, a melhor defesa é o ataque, mas na disputa entre a evolução microbiana e os antimicrobianos, o melhor é usar as armas somente quando for realmente indispensável. #Superbactérias

*Graduanda em Ciências Biológicas – Microbiologia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Texto revisado e editado por Caio Rachid

Referência: Björn Bengtsson and Christina Greko. Antibiotic resistance—consequences for animal health, welfare, and food production. Ups J Med Sci. 2014 May; 119(2): 96–102

A criação animal e o surgimento de superbactérias
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