Por Ana Caroline Nunes Botelho*

A microbiologia forense é um ramo da microbiologia cujo conhecimentos adquiridos podem ser aplicados em inúmeros tipos de investigações, inclusive aquelas que buscam provas legais em caso de suspeita de crime. É um tema relativamente novo e os conhecimentos adquiridos nesse campo da ciência ajudam a resolver problemas, tais como: bioterrorismo, surtos de doenças causadas pelo consumo de alimentos contaminados, crimes sexuais, entre outros. Umas das áreas da microbiologia forense mais interessantes são os estudos que investigam o processo de sucessão ecológica durante a decomposição de cadáveres, ou seja, a mudança na composição dos micro-organismos que estão presentes no corpo humano. Esse processo inicia-se 4 minutos após a morte do indivíduo.

 O corpo humano é composto por cerca de 100 trilhões de células, das quais apenas 10% são células humanas e os 90% restantes são representados por células de micro-organismos, que compõe a microbiota humana. Estes microrganismos podem estar presentes em muitos locais: pele, cavidade oral, trato gastrointestinal, vias aéreas, ouvido, tecidos conjuntivos e trato urinário, e estão envolvidos majoritariamente em processos benéficos para os seres humanos, tais como a digestão dos alimentos, produção de vitaminas ou proteção contra patógenos (micro-organismos que causam doenças). Assim, a microbiota normal e os seres humanos têm uma relação simbiótica, e esta relação é benéfica para ambos.

 A morte não pode ser considerada, do ponto de vista biológico, como um momento final, mas sim como um processo novo. Como nem todos os sistemas vitais param de uma vez, esse processo, poderia ser definido como a paralisação súbita e irreversível dos sistemas respiratório, circulatório e neurológico. É nesse momento que a associação entre seres humanos e microrganismos se altera de simbiótico para um tipo de processo predatório, e esses microrganismos passam a desempenhar uma outra função, reciclar a matéria orgânica morta na natureza. Ou seja, eles se alimentam do corpo humano, transformando-o em outros compostos. E como funciona isso? Os microrganismos responsáveis por essa decomposição seguem uma determinada ordem. Primeiro entram em ação os microrganismos que respiram oxigênio. Eles se multiplicam e consomem o oxigênio, acabando com o oxigênio do local. Em seguida, multiplicam-se bactérias anaeróbias facultativas (que vivem com ou sem oxigênio) que estavam presentes no trato gastrointestinal; e se conclui com os microrganismos anaeróbios estritos (que só ocorrem em ausência total de oxigênio). Dessa forma, pode-se dizer que os microrganismos participam ativamente na decomposição de cadáveres. Como o tempo que demora entre cada uma dessas fases, assim como a identidade dos micro-organismos que participam delas são conhecidos, os peritos criminais realizam investigações e tentam definir a idade de cadáveres encontrados com base nesse conhecimento, seja em cenas de crimes ou outras circunstâncias. Em função do tipo de microrganismo encontrado, podemos estimar quando ocorreu a morte, sendo, portanto, os microrganismos valiosos indicadores nas ciências forenses.

*Ana Caroline Nunes Botelho é pós-doutoranda em Ciências (Microbiologia) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atua na área de Microbiologia Médica, com foco no gênero Streptococcus. Sempre dedicada a todos ao seu redor, mas principalmente aos seus filhos de patas!

Texto revisado e editado por Caio Rachid

Referência:  Finley SJ, Benbow ME, Javan GT. Microbial communities associated with human decomposition and their potential use as postmortem clocks. Int J Legal Med (2015) 129:623-632

Microrganismos detetives
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